A depressão é como um quarto escuro de onde você entrou e não encontra mais nenhum motivo para sair. Ano passado, mais ou menos nessa época, eu estava nesse quarto escuro.
E não é uma coisa que chega rápido, assim apaga a luz e pronto. No começo o quarto é apenas um lugar confortável para chorar por um tempinho e se permitir sentir a dor que passamos o resto do tempo todo fingindo que não sentimos. Com o tempo vamos passando cada vez mais tempo dentro do que fora do quarto. E a luz que entrava pela janela vai diminuindo, diminuindo até que você não sabe mais se é dia ou noite.
Foram anos passando pela vida como um trator, dando conta do que precisava ser feito e escondendo de todos, inclusive de mim, o que sentia. Mas a maternidade é implacável porque para conseguir sentir o amor que chega tomando conta de tudo, tem que sentir a dor também. E foi aí que eu comecei a frequentar o quartinho. Permitindo-me ficar um minuto dentro do quarto e as outras 23 horas e 59 minutos tratorando.
Os anos foram passando e fui percebendo que estava passando mais tempo no quartinho. Quando a conta empatou, 12 horas dentro e 12 fora, assustei e fui buscar ajuda. Melhorei com os medicamentos e a vida seguiu, até que veio a pandemia, e o mundo todo parecia estar dentro de um quarto escuro coletivo mas quando passou, balança das horas não conseguia mais se equilibrar.
Em abril de 2023, a luz acabou e eu já não saia mais nem do quarto real. Foi o pai do meu filho que, atento, mobilizou minha família e eu vim para Salvador, finalmente, cuidar de mim.
A saída era parar de resistir, abrir mão do controle e sentir tudo. Dor, tristeza, fracasso, autopiedade, vergonha, medo, insegurança. Eu não queria mais viver, mas como não queria morrer, restava apenas me entregar. Se o poço tivesse um fundo, eu ia chegar lá.
Nos primeiros meses fazia apenas duas coisas: chorar e ler. A leitura era a única coisa que conseguia parar o choro, então eu lia. Quando as lágrimas foram cedendo, passei a ler um livro por dia. Era setembro quando comecei a sentir vontade de falar com pessoas.
O desejo de voltar ao mundo estava brotando e a impostora, nessas horas, deita e rola. Nem consigo escrever o que ela dizia, mas você deve ser capaz de imaginar. O modo de funcionar do trator tentava voltar à tona, eu fazia movimentos, mas não tinha energia suficiente ainda.
Devo ter queimando meu filme com algumas pessoas (talvez você seja uma delas) que se inspiraram com as minhas tentativas de retorno sem continuidade.
De todo esse processo a lição fundamental foi: é preciso sentir tudo.
Sentir é a única saída. Só quando aprendemos a sentir, somos capazes de soltar e parar de querer controlar tudo. Não podemos controlar nada nessa vida. Não controlamos o ritmo do nosso coração, como podemos controlar o resultado seja lá do que for que nem depende de você.
Aprendi a não ter medo do quarto escuro. Para falar a verdade, o quarto se tornou ferramenta e não prisão. Hoje eu sei que posso parar e sentir qualquer coisa e me dar tempo para deixar a dor me atravessar, sem que eu queira apressá-la ou que eu me apegue a ela.
Neste dia 3 de abril, quase um ano depois de voltar para a cidade, voltei das cinzas. Com a tranquilidade de quem encontrou o fundo do posso e descobriu o caminho de volta, reconheço que me tornei uma terapeuta melhor, mais experiente. Afinal, guiar pessoas pressupõe que conhecemos o caminho.
Muito obrigada por chegar até o final desta leitura. Falar sobre isso não é fácil, mas também me causa nenhuma dor. Sinto a tranquilidade de quem está revelando a própria verdade, que não quer convencer e nem espera a aprovação de ninguém.
Chegamos ao fim e, também, ao único motivo para escrever tudo isso: o diálogo. Precisamos falar sobre nossas dores e parar de fingir que controlamos o incontrolável.
Quando quiser conversar, estou por aqui. Basta escrever de volta e já daremos um passo.
Com amor,
Duda